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A solução pode mudar, mas a necessidade se mantém. Entenda o Jobs To Be Done

Com todo o contexto que estamos vivendo na recente crise do corona vírus e também considerando as mudanças futuras inerentes ao mundo que vivemos, observarmos que os hábitos, necessidades e ansiedades das pessoas estão mudando (e vão mudar ainda mais).

E, com a mudança de hábitos, são necessárias novas soluções, certo?

Para este momento, não basta apenas levar o mesmo produto para o meio digital ou aprender a vender de forma diferente a mesma solução. Claro, são aspectos essenciais e aprender sobre isso tudo pode ser de grande ajuda.

Mas se faz ainda mais essencial entender de forma profunda os reais progressos que os clientes estão esperando e como estes progressos mudam com o contexto para que sua equipe consiga idealizar novas soluções relevantes para este momento.

E é justamente buscando o entendimento desse contexto, pela ótica do cliente, que o Jobs To Be Done pode ser de grande ajuda.

Job to be done é uma teoria de negócios (não um framework ou uma metodologia) de total foco no cliente. A tradução da expressão é “trabalho a ser feito”.

A base da teoria é que clientes não compram produtos específicos. Eles, na verdade, contratam produtos para realizarem trabalhos específicos que surgem em suas vidas.

Como assim?

Calma, vamos te explicar um pouco mais sobre.

O que Jobs to be Done tem a ver com o Ágil?

Segundo Stephen Denning, no livro A Era Ágil, o autor defende três da agilidade: Lei do Cliente, a Lei do Time Pequeno e a Lei das Redes. 

Por meio da ótica da Lei do Cliente, há uma mudança expressiva: ao invés das organizações orbitarem em volta de seus produtos e serviços, concorrentes e contextos mercadológicos, as organizações ágeis orbitam em volta dos seus clientes, se adaptando para atendê-los da melhor forma.

Ou seja, as empresas respondem ativamente ao que os seus clientes demandam, como consomem, como alteram seus hábitos, como respondem à mudanças de contextos e etc. É neste ponto que a teoria do JTBD conversa com o Ágil, entender profundamente e responder aos seus clientes se tornou (e se torna cada vez mais) uma premissa.

Entendendo do início: a diferença entre causalidade e correlação

Os negócios são obcecados em segmentar, medir e acompanhar os dados que se correlacionam com a compra de seus produtos, como: perfil do cliente, idade média, classe, dados geográficos e demográficos, entre outros.

Mas um grande erro é: esquecer-se dos aspectos que causam alguém a efetuar a compra, de fato.

Muitos negócios fracassam pois dão muita atenção a dados que se correlacionam e pouca atenção ao mecanismo causal por trás da compra. Ou seja, o que leva alguém a comprar um produto ou solução; o que ela está tentando realizar na sua vida naquele momento; qual progresso ela está tentando obter.

Vamos ilustrar com um case ilustrado e adaptado do livro “Muito Além da Sorte”, de autoria de Clayton Christensen, mundialmente conhecido pelo seu estudo em inovação dentro de grandes empresas.

Clayton é um dos principais nomes por trás da teoria dos Jobs To Be Done e ele apresenta a teoria com uma história que ficou conhecida como o Dilema do Milk Shake.

O Dilema do Milk Shake

Jobs to be done: banana x milkshake

Clayton foi procurado por dois amigos para auxiliá-los em um projeto com uma rede de fast-food: o objetivo do projeto era descobrir como vender mais milk shakes.

A cadeia de lanchonetes havia recorrido a pessoas que se encaixavam em um perfil de consumidor de milk shakes perfeito e os bombardeou com perguntas sobre como melhorar o produto.

Até mesmo quando os clientes explicavam o que eles imaginavam querer, era difícil saber exatamente o que fazer. O restaurante experimentou várias coisas em resposta ao feedback dos clientes; alguns meses aconteceu algo notável: nada.

Christensen sugeriu que a rede montasse sua estratégia por outra perspectiva. A equipe do professor passou horas por dia em uma das lojas para descobrir essa resposta.

Partindo dos dados (que são muito importantes), observou-se que a metade das vendas em um dia era realizada antes das 8h30 da manhã.

A equipe analisou que roupa que os consumidores de milkshake vestiam, que horas vinham, se iam embora logo após a compra, se vinham de carro. Evidenciou que os consumidores deste horário chegavam de carro, não ficavam na loja e compravam apenas o milk shake.

Diante disso, eles perguntaram a essas pessoas: “Com licença, que ‘trabalho você está tentando realizar’ para si mesmo que o motivou a vir aqui e a ‘contratar’ esse milk shake?”

Ao conduzir algumas entrevistas, tentando responder a pergunta acima, ficou claro que esses clientes da manhã tinham o mesmo trabalho a ser feito (job to be done): teriam de enfrentar um longo e entediante percurso até o local de trabalho e precisavam de algo para manter aquele percurso interessante. Aquelas pessoas, na verdade, não estavam com fome, mas sabiam que em horas o estômago começaria a roncar e queriam se distrair no caminho.

A equipe percebeu, também, que, para esse trabalho a ser feito, o milk shake possuía alguns concorrentes inusitados que não realizavam o trabalho tão bem: “Algumas vezes ‘contrato’ bananas, mas pode acreditar no que digo: não consuma bananas; elas são digeridas muito rapidamente e você ficará com fome novamente no meio da manhã”.

Após as entrevistas com os clientes, a equipe obteve uma clareza de que o que esses clientes tinham em comum não tinha nada a ver com os seus dados demográficos individuais. Na verdade, todos eles tinham um trabalho em comum a realizar na parte da manhã: “Ajude me a me manter acordado e ocupado e ao mesmo tempo tornar mais agradável meu percurso até o local de trabalho”.

Analisando outro momento onde aconteciam muitas vendas, no fim da tarde e à noite, pode-se observar um outro progresso, de pais com seus filhos. Descobriram um novo job para uma outra circunstância: “Ajudar a me sentir um pai afável e amoroso”, ao comprar  um milk shake para o filho.

Produto x progresso: como a visão impacta no atingimento do público

Com os principais progressos descobertos, é possível traçar estratégias mais certeiras de inovação e marketing, por exemplo, focadas nos progressos esperados.

E a grande sacada está justamente nisso: entender a diferença entre produto e progresso e focar no PROGRESSO a ser entregue. Produtos vêm e vão e progressos permanecem.

Veja por exemplo a tabela abaixo:

Jobs to be done: Correlação x causalidade

Se você fica preso a visão do produto, não vai buscar novos meios de gerar o progresso. E, com a mudança constante que vivemos de hábitos e necessidades, olhar pro progresso faz com que você pense diferentes produtos e soluções.

Usando como exemplo o Dilema do Milkshake: se tivermos uma visão focada no produto, poderíamos desenvolver novos sabores com o intuito de evoluir o negócio. Se focarmos no progresso, poderíamos pensar em criar embalagens para viagem mais eficientes.

Analisando pela ótica dos consumidores matinais da lanchonete em questão, com qual evolução eles ficariam mais satisfeitos? Acredito que na segunda, já que o principal progresso é distraí-los e alimentá-los enquanto dirigem para o trabalho.

E a sua equipe? Foca mais no produto ou no progresso a ser gerado?

Como a teoria do Jobs To Be Done pode me ajudar em um período de grandes mudanças?

 

Jobs to be done exemplo
Imagem retirada do site jtbd.info e traduzida livremente.

 

Em tempos difíceis, nos quais os hábitos, necessidades e prioridades dos consumidores passaram por grandes mudanças, entender o progresso que seu produto/serviço gerava para essas pessoas é a chave para descobrir o melhor caminho a seguir em um cenário de incerteza.

Entrevistar, conversar, analisar dados, pesquisar sobre o que fazia com que seus clientes consumissem o seu produto/serviço pode ser de grande ajuda para entender o papel que este tinha na vida das pessoas.

Ao entender esse papel, fica muito mais fácil e assertivo pensar em possíveis soluções alternativas que se adequem a novos cenários.

Usando novamente o dilema do milkshake como exemplo, vamos pensar agora pela ótica dos clientes do fim da tarde e da noite:

Essas pessoas compravam a sobremesa para os filhos como uma forma de dar atenção aos seus filhos (lembrando do trabalho a ser feito: “Ajudar a me sentir um pai afável e amoroso”).

Em um contexto onde o fluxo de pessoas na loja reduziu consideravelmente e, por delivery, os clientes possuem uma ampla gama de outros concorrentes de quem poderiam “contratar” esse progresso, uma forma de se destacar quanto a esse objetivo poderia ser incluir um brinquedo de brinde junto com o milkshake.

Ficou mais claro? Essa teoria mostra que os pais não compram o milkshake simplesmente por ser um milkshake, mas por ser uma forma de demonstrar afeto a seus filhos. Por mais que o contexto do mercado mude, eles ainda terão a necessidade de se sentirem pais afetuosos. E é essa necessidade que promove a venda, não somente o produto em si.

E como descobrir um Job To Be Done (trabalho a ser feito/progresso esperado)?

Indo pra rua. Entrevistando clientes. Mergulhando no aquário!

O segredo é investigar os clientes, entender o por que das contratações e as sinergias entre esses por que’s.

Neste momento, faz-se essencial descobrir o que os clientes estão tentando fazer que não estão conseguindo. Quais soluções “caseiras” estão  buscando?

Quais são suas ansiedades, hábitos e o que os impulsiona a mudar?

Separamos aqui uma série de perguntas que podem te ajudar a descobrir os trabalhos a serem feitos:

  • Quando foi a primeira vez que você pensou em adquirir este produto? De onde surgiu a necessidade de adquirir esse produto/serviço?
  • Você pode me descrever como foi esse momento, como se fosse uma cena de um filme? Conte detalhes: com quem estava, quando e como foi.
  • O que você estava tentando fazer naquele momento?
  • Antes da compra, quais outras opções você considerou?
  • Como foi o momento que você parou de considerar outras opções e efetuou a compra?
  • Você teve alguma ansiedade ou receio ao realizar a compra? Por quê?
  • Como foram seus primeiros momentos com o produto/serviço?
  • Como você se sente hoje em relação à sua compra?
  • O que você consegue fazer hoje, que não conseguia antes?
  • O que você recomendaria para outras pessoas que buscam resultados semelhantes?
  • O que faria você mudar para outra solução?

Trazendo para o contexto atual, algumas outras perguntas são relevantes também:

  • O que a pessoa estava tentando fazer quando comprou de você continua sendo essencial?
  • Hoje, quais estão sendo suas principais dificuldades na nova rotina?
  • Quais são suas prioridades nesse momento?
  • Quais os seus hábitos que mais mudaram?
  • O que mais tem te gerado frustração dentro do que levou a pessoa a adquirir o progresso antes

No contexto de hoje, entenda o progresso e foque nele.

Pare com a visão do produto: ele pode não ser mais tão necessário assim. Mas o progresso, sempre será.


Maria Carla

Maria é fascinada por liderança. Entrou no IEEP com o objetivo de desenvolver e aprimorar o Programa de Lideranças e hoje atua na equipe de produto desenvolvendo soluções também em cultura ágil em prol de fortalecer organizações em um mundo onde a única certeza é a mudança. Apaixonada por aprender através da prática e do compartilhamento de experiências, acredita muito na capacidade do ser humano de evoluir e que as habilidades e competências de ninguém são escritas em pedra.

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