O estudo “How to Create an Agile Organization” realizado pela McKinsey & Company apresenta dados muito interessantes sobre a Transformação Ágil nas organizações do mundo:
75% dos líderes de negócios entrevistados apontaram que o ágil é uma das maiores prioridades das suas organizações, enquanto apenas 4 % das empresas consideram que realmente conseguiram aplicar uma Transformação Ágil.
Entenda o que é (e o que não é) uma Transformação Ágil e veja 10 aprendizados da Microsoft sobre uma implementação bem-sucedida dessa nova forma de mentalidade e gestão nesse artigo.
Definindo o Agile
Stephen Denning escreveu um dos melhores livros de negócios de 2018, segundo a Financial Times. Trata-se de A Era Ágil, um livro que busca resumir a história recente da agilidade organizacional e definir, de uma vez por todas, o que significa ser ágil no mundo dos negócios.
Agile se tornou um conceito frequentemente mal interpretado e Denning fornece uma visão bem clara do que ele significa.
Indo de encontro a definições de gurus da internet e, inclusive, outras renomadas personalidades do Agile, o autor ressalta que ser ágil não é sobre fazer o dobro do trabalho na metade do tempo. Ser ágil significa gerar mais valor a partir de menos trabalho.
O agilismo é sobre trabalhar de forma mais inteligente e não de forma mais intensa ou rápida; organizações ágeis buscam executar melhor aquilo que é mais importante.
Com a definição de Denning, é possível obter dois grandes aprendizados sobre Agile, antes de falarmos sobre sua implementação.
Ser ágil não é (somente) usar tecnologia
O primeiro aprendizado está no fato de que a tecnologia, por si só, não determina a performance ou a agilidade de nenhuma organização.
Denning afirma que a diferença entre as empresas bem-sucedidas e àquelas que fracassam não reside na tecnologia ou quantidade de dados disponíveis. As grandes organizações possuem acesso às mesmas tecnologias e informações, que vão gradualmente se tornando commodities.
A diferença entre esses dois tipos de empresa está no modelo de gestão, na forma de trabalhar.
As empresas que vêm mantendo suas vantagens competitivas são empresas que adotaram um novo paradigma de gestão para adaptar a forma como seus colaboradores trabalham e não aquelas que possuíam tecnologias altamente superiores aos concorrentes.
Entender que a agilidade organizacional e, consequentemente, a transformação ágil, está mais relacionado à forma de trabalhar do que a disponibilidade de tecnologia nos leva ao segundo aprendizado.
Ser ágil não é usar uma metodologia
A agilidade organizacional não se limita às metodologias de gerenciamento que a organização adota.
Não é incomum observar empresas dos mais variados tamanhos que, almejando a transformação ágil, adotam uma metodologia, como o Scrum, e esperam uma mudança sistêmica capaz de alavancar resultados.
Denning nos alerta que o agilismo está mais relacionado a uma mentalidade compartilhada pelos colaboradores do que aos procedimentos de uma determinada metodologia.
A sacada está em entender que a agilidade organizacional de uma empresa está ligada à sua cultura e que toda transição para o ágil, de alguma forma, envolve uma transformação cultural.
É ingênuo acreditar que a simples adoção de uma metodologia ou framework é capaz de catalisar uma mudança cultural significativa; a Transformação Ágil é mais complexa.
Organizações ágeis, naturalmente, utilizam metodologias voltadas para a agilidade, mas compreendem que os principais regentes das suas formas de trabalhar são princípios e valores que vão permanecer ali, mesmo que uma nova metodologia mais adequada surja no futuro.
Portanto, as metodologias devem servir para suportar e colocar na prática uma mudança de paradigma de gestão e de negócios que, por sua vez, é pautado em princípios e valores específicos.
O Agile, como é compreendido atualmente, tem suas origens no movimento dos desenvolvedores de software no início do século. Esse grupo seleto de desenvolvedores, frustrados com os resultados comumente decepcionantes dos projetos de TI, buscaram revolucionar a forma como as empresas da indústria trabalhavam e descreveram essa revolução em o documento icônico: o Manifesto Ágil.
É interessante observar que o Manifesto é um documento que apresenta princípios e valores, ao invés de descrever práticas e rituais de gestão.
O documento é importante para nos lembrar que a adoção de uma “metodologia ágil” que não vem acompanhada da adoção generalizada dos valores ágeis pelos colaboradores vai, muito provavelmente, gerar resultados medíocres.
Seguindo essa linha de raciocínio, sugerimos a leitura do texto “Mindset Ágil: Mais importante que as metodologias é a mentalidade”, também no Blog IEEP.
A Transformação Ágil
Os conceitos fundamentais de Denning abrem espaço para falarmos sobre as peculiaridades e desafios de adotar uma cultura ágil.
Trata-se de uma cultura em que os colaboradores, de forma sistêmica, buscam gerar mais valor a partir de menos trabalho pautando suas rotinas em princípios e valores específicos.
A jornada para a Transformação Ágil exige uma mudança de paradigma que não se limita à adoção de métodos e ferramentas.
A Microsoft, com seus 114.000 funcionários e valor de mercado próximo à marca de 1 trilhão de dólares, é uma gigante da tecnologia que pode ser enxergada como um grande navio de guerra, forte e poderoso, mas devagar para executar manobras.
Stephen Denning, porém, conta a história de como a Divisão de Desenvolvedores da Microsoft (área com aproximadamente 4.000 funcionários) está liderando a transição da organização para o ágil.
Trata-se do departamento da empresa responsável por produtos e serviços como Visual Studio, Visual Studio Team Services, Team Foundation Server e TypeScript.
A transformação na Microsoft levou tempo. Em 2010, o time da Team Foundation Server decidiu “adotar o agilismo”, utilizando o Scrum como metodologia norteadora e, um ano depois, em 2011, a unidade inteira formalizou seu comprometimento com o Agile.
O autor de A Era Ágil foi observar a forma como a divisão estava trabalhando pela primeira em 2015 e decidiu capturar os principais aprendizados obtidos por uma importante divisão de uma organização gigantesca ao adotar e disseminar uma cultura ágil.
Naturalmente, os líderes da unidade reconheceram que a adoção das práticas e ferramentas do Scrum, como retrospectivas, reuniões diárias, backlogs de produtos e sprints (ciclos de execução), foi só parte do desafio. A parte mais importante e difícil foi a mudança no mindset de todos os colaboradores envolvidos.
Aaron Bjork, gerente de programa na Divisão de Desenvolvedores da Microsoft, também afirmou que se trata de uma jornada que não acaba. A transição para o ágil é inicialmente dolorosa, tem seus altos e baixos e busca a melhoria contínua.
Principais aprendizados da Microsoft para uma Transformação Ágil em escala
1) Obtenha o equilíbrio certo entre alinhamento e autonomia
A implementação de uma cultura ágil exige a garantia de autonomia para os times e seus membros, de modo a permitir que executem suas entregas da forma que interpretarem como mais adequada.
A autonomia desacompanhada, porém, pode resultar em times trabalhando em direções distintas, por vezes contrárias, que podem se anular, resultando em uma organização estagnada, que não sai do lugar.
Em empresas realmente ágeis, a autonomia é acompanhada pelo alinhamento, dentro dos times e entre eles: todos sabem para onde ir e todos têm liberdade determinar as melhores formas de chegar lá.
Na Microsoft, Aaron Bjork resalta que “se há muito controle, nada é concluído: ninguém quer ir trabalhar e o ambiente não é divertido. Na verdade, é um desastre. Se há muito pouco controle, o caos é instaurado. Todos trabalham naquilo que querem. […] Clientes ficam frustrados. Nada faz sentido do ponto de vista do negócio. Gerentes estão sempre buscando o equilíbrio certo.”
Segundo Bjork, o papel dos gerentes é estabelecer as “leis da estrada”, o mínimo número de regras que vai permitir com que os times cheguem aonde têm que chegar de forma rápida; elas não estão ali para atrasá-los.
2) Lide com dependências no nível dos times
Organizações ágeis trabalham com times pequenos, geralmente de 5 a 9 pessoas. Dentro dos times, não é muito difícil obter alinhamento.
Trata-se de um grupo social pequeno que se comunica constantemente e trabalham em direção a um objetivo comum; todos sabem o que os outros estão fazendo.
Do ponto de vista da organização, porém, o trabalho de um time vai depender direta ou indiretamente do trabalho de vários outros e a consciência dessas dependências é essencial para o valor a ser gerado.
É comum ver times se fechando e se preocupando apenas com as suas funções e entregas, deixando com que os gerentes percebam e se atentam às interdependências entre os times.
Na Divisão de Desenvolvedores da Microsoft e em outras organizações ágeis, porém, as dependências são tratadas, na medida possível, pelas próprias equipes. Todas as equipes sabem o que as outras estão fazendo.
Se uma equipe depende de outra equipe, elas não vão esperar uma reunião para saber sobre isso. As equipes devem aprender a encontrar e alinhar dependências em tempo real.
O papel do gerente pode ser facilitar com que isso aconteça, ao invés de concentrar as informações e os esforços de integração em si.
3) Garanta integração contínua
Na divisão da Microsoft, a integração das entregas dos times deve ser feita de forma inteligente.
No passado, quando uma parte do produto falhava, todo o produto falhava.
Integrar o trabalho de forma inteligente significava garantir que as peças dos times se encaixavam, mas não permitir que falhas em peças específicas cascateassem em todo o sistema. A divisão implementou ações, como o uso das chamadas “feature flags”, que mitigaram a propagação de erros e falhas.
A lição aqui é garantir que as entregas de cada time se encaixem no produto final, mas mitigar o efeito cascata de falhas individuais em cada entrega.
4) Mantenha a “dívida técnica” sob controle
Na indústria de TI, bugs representam falhas técnicas no código.
Bjork conta que, no passado, times entregavam um código e comemoravam sem dar atenção ao número de bugs no código final.
Hoje, com a implementação de um limite de bugs (que é igual ao número de engenheiros da equipe multiplicado por quatro), sempre que uma equipe excede esse limite, ela para de trabalhar em novos recursos e na próxima sprint e reduz a contagem de bugs para abaixo do limite novamente. É autogerenciado e as equipes sabem disso.
Isso garante um estado constantemente saudável no qual a empresa confia ao lançar novas funcionalidades.
5) Monitore progresso continuamente
Na Microsoft, as equipes monitoram constantemente como as funcionalidades do sistema estão sendo usadas.
Assim que código é produzido e entregue, a equipe pergunta: como as pessoas o estão usando? Ele está progredindo as pessoas no nosso funil de conversão? Os usuários estão se tornando dedicados ou são apenas usuários casuais?
Eles usam as métricas para conduzir o negócio adiante.
Organizações ágeis buscam entregar valor de forma constante ao cliente durante seus projetos.
Esse aprendizado da Microsoft instiga organizações a também monitorar o valor percebido pelo cliente após a entrega do produto parcial ou final. Tal monitoramento permite com que a organização tome decisões baseadas em dados que vão potencializar o valore gerado no futuro.
6) Escute o que o cliente quer, mas atenda o que ele necessita
Bjork percebeu que perguntar aos clientes o que eles querem gera uma grande lista de funcionalidades que podem ser desenvolvidas; os clientes geralmente reagem positivamente à possibilidade de novas funcionalidades.
Os gerentes, porém, devem filtrar e focar em entregar o que os clientes realmente necessitam, que é ou uma parcela ou algo diferente do que eles dizem querer.
A geração de valor real está em identificar e entregar aquilo que o cliente realmente necessita.
7) Construa qualidade desde o início
Na Microsoft, no início da adoção do Agile, os times iriam rodar sprints de três semanas e as lideranças, ansiosas como estavam, planejaram um “sprint de estabilização” após o quinto sprint. Seria como um sprint de correções e ajuste de velas.
Isso criou um ambiente em que os times não se preocuparam com bugs e falhas nos primeiros sprints, porque sabiam que tinham o sprint de estabilização à frente.
Depois disso, a unidade sempre focou no objetivo de evitar a sequência: Escreva o código no primeiro sprint. Teste no segundo sprint. Corrija os erros no terceiro sprint. A “lei da estrada” é: entregue um produto funcional a cada sprint.
O aprendizado está em não criar desculpas na Transformação Ágil: os times têm que gerar valor para o cliente ao final de cada sprint desde o início.
A transição é gradual, mas criar mecanismos de compensação como o “sprint de estabilização” só atrasa a implementação efetiva do ágil.
8) Use auto-formação de times para aumentar sentimento de dono
Na unidade da Microsoft, os gerentes permitem que os colaboradores escolham em que time querem trabalhar de forma periódica.
Essa ideia expande a autonomia dos colaboradores sobre como trabalhar para onde trabalhar também.
A maioria acaba decidindo ficar onde está, mas todos têm uma escolha. Trata-se de um investimento no bem-estar das equipes que resulta em desempenho superior.
9) Reconheça que o produto é o time
No modelo de negócios baseados em assinaturas da Microsoft, Aaron Bjork ressalta que o ativo comercial, tradicionalmente, era o produto.
Contudo, com a diminuição do ciclo de vida do produto, mais e mais o ativo comercial passa a ser a equipe capaz de oferecer produtos.
“O time tem uma vida útil de geração de valor mais longa que o produto”, diz Bjork.
Isso leva a Microsoft a ter uma cultura mais voltada a pessoas.
Apesar de se aplicar ao modelo de negócios específico da unidade da Microsoft, o aprendizado aqui pode se estendido ao conceito de que o time é quem gera e entrega o valor no final das contas.
Organizações ágeis compreendem isso e possuem culturas voltadas para pessoas; a entrega de valor contínua e progressiva acaba sendo uma consequência.
10) Assegure apoio e suporte da alta liderança
Aaron Bjork afirma que o apoio da alta liderança sempre foi crucial para a Transformação Ágil, mas esse apoio geralmente é evolutivo, não é repentino e cresce com o tempo.
Dessa forma, a adoção de mudanças práticas pode (e talvez deve) ser gradual.
Bjork, por exemplo, diz que a mudança no espaço físico foi uma das últimas que eles fizeram e que nada na Microsoft mudou de uma só vez.
Começar a mudança com o que mais importa (o essencial para começar a gerar mais valor a partir de menos trabalho) e gradualmente incorporar novas mudanças é uma possível estratégia para garantir apoio não só da liderança, mas de todos os afetados.
É possível ver que a Transformação Ágil não é simples; envolve cultura e, se envolve cultura, envolve pessoas e, se envolve pessoas, torna o assunto mais complexo.
Porém, isso não torna o assunto impossível e nem menos prioritário.
Uma pesquisa da McKinsey realizada com mais de 2500 líderes de negócios por todo o mundo mostrou que 75% desses profissionais alegam que a agilidade nas organizações é uma de suas maiores prioridades.
É possível aprender com organizações que sobreviveram a mudanças muito mais improváveis e complexas do que as mudanças que podem ocorrer na sua organização.
Utilize desses aprendizados para começar a gerar mais valor, de forma mais inteligente, o quanto antes.
A Revolução Ágil é o presente. Empresas dos mais variados tamanhos e setores já priorizam a Transformação Ágil como forma de fortalecerem seus negócios no mercado atual. Como diria Stephen Denning, “Ou você vai liderar a revolução ágil ou você vai seguir quem o fizerem”.